Bernardo
O sobrevivente
Carlos Drummond de Andrade
Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.
Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.
Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.
(Desconfio que escrevi um poema.)
Carlos Drummond de Andrade in: Alguma Poesia, 1930
3 comentários:
Olá Bernardo,
O poema do Drumond é de 1930 e nele o poeta já se sentia sufocado pela nascente modernidade.
A sua reflexão segue o mesmo inconformismo, a mesma perplexidade com o imediatismo, e a necessidade de se ostentar - a qualquer custo -, e qualquer que seja, a novidade da hora.
Você diz muito bem: Só ostentação, só materialidade...
Olá Bernardo, felizmente que há excepções á regra, e ainda há pessoas que se preocupam mais com o espírito do que com o corpo.Estão em vias de extinção é certo, mas ainda as há.
beijinhos e bom fim de semana
Oi, Bernardo!
Vim conhecer esse teu outro blog.
Lindo poema do Drummond,um dos meus amados.
Abrç!
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