Quero o branco que é de menina.
Quero neve com sabor a férias forçadas, a escola que não havia porque a neve não deixava passar o carro da senhora professora. E quero a neve colada às botas, derretida nos sorrisos como um gelado de Inverno comido à gargalhada.
Neva lá fora e eu de mãos quentes aqui dentro. Não está certo.
Neve na minha profissão é sinónimo de trabalho. De ligar para a protecção civil, de saber quantas estradas estão cortadas, quantas populações estão isoladas. E o que mais me surpreende é que todos os anos somos surpreendidos… e isso, em Portugal, não é surpresa alguma. Ficamos sempre pasmados quando o lógico acontece.
Neva lá fora e cá dentro os dedos procuram os números de telefone dos bombeiros e dos presidentes que mandam nas terras, mas o que eu queria mesmo, era ir a correr para a rua comer flocos de neve como quem come arroz branco. Porque faz bem e não dá dores de barriga. E também queria fazer um boneco de neve tão grande como eram grandes os bonecos de quando eu era pequenina. E vestir aqueles fatos parecidos com os da NASA e parecer muito gorda e rir-me por isso. Está a nevar. Portugal fica branco. A montanha dá vontade de comer à colherada com pitadas de chocolate e nuvens de algodão doce à mistura.
É boa ideia nevar, ainda que não conste que as nuvens pensem por ideias, mas nevando, o país fica a branco e disponível para novas páginas. Novas escritas. Neva e a neve derrete nas mãos e nos olhos e nos sorrisos. E quero tanto que neve muito e que a neve deixe de ser notícia, porque ela até é discreta, certamente não gosta de aparecer em noticiários de televisão a toda a hora, só porque chegou no tempo dela. É pontual, mansa, leve, traz paz e risos fáceis, dá vida a bonecos com narizes de fazer de conta que nunca se constipam mesmo estando à neve. E, claro, a neve não gosta de rodas de carros! A neve gosta de mãos e quedas com risos! De famílias e bolas atiradas às costas frias uns dos outros!
Neva e as nuvens rasgam-se aos bocadinhos nestas serras próximas do céu onde as linhas quase se misturam.
Queria tanto que todos fossemos neve… para deixarmos derreter o coração.
Eduarda Freitas é jornalista da RTP
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