Eu acho que estamos diante do início de uma revolução de verdade, um desses acontecimentos raros que envolvem mudanças amplas, profundas, capazes de abrir perspectivas inesperadas para o futuro.
Estou falando do WikiLeaks e seu saudável costume de oferecer segredos da política, da economia e da diplomacia para o consumo de cada um dos 6 bilhões de seres humanos. É tão diferente e tão surpreendente que chega a ser assustador. Altera relações de poder. E isso é mesmo novo.
Não sei se você sabe, mas um dos raros momentos da história em que a diplomacia foi devassada de modo tão despurado ocorreu em 1917, depois que os bolcheviques tomaram o poder na Russia tzarista. Uma das primeiras providências dos novos ocupantes do poder foi abrir os arquivos da chancelaria do Tzar e exibir para a população do país os segredos, truques e maquinações articulados pelos antigos ocupantes do poder.
Do ponto de vista de seu interesse político, os bolcheviques utilizaram a abertura dos arquivos como um instrumento de propaganda, para desmoralizar seus adversários. Não há dúvida, porém, que foi uma medida que ajudou a educar a população — o que só é possível com hábitos transparentes na vida pública –, a tal ponto que o costume seria abandonado com o passar dos anos, na exata medida em que o poder soviético transformou-se numa das mais cruéis ditaduras do século XX.
Neste início de século XXI, o WikiLeaks realizar um esforço com algumas semelhanças — e muitas diferenças, todas a favor.
Para começar, não se consegue demonstrar, ao menos até aqui, que seja uma abertura dirigida do ponto de vista ideológico ou político. Também não é obra de um governo. Sobra munição contra todo mundo — e a favor de todo mundo.
Os responsáveis do WikiLeaks não exibiram vontade de agradar um governo, um partido, uma idéia ou uma personalidade, o que já é um ótimo ponto de partida. Suas revelações incomodam os governos de plantão — sejam eles quais forem.
Outro aspecto é a transparência. Em vez de oferecer trechos selecionados de documentos secretos, como é padrão entre historiadores de todo o planeta, que se reservam o direito de arquivar aquilo que não lhes interessa, os documentos são divulgados na íntegra, como matéria prima para quem quiser pesquisar, discutir e contestar.
Um terceiro ponto é que seu horizonte envolve a realidade global de nossa época. Os vazamentos nascem no governo americano, que são o centro de poder e influencia do mundo hoje. Ou seja: ali há notícia de interesse do planeta inteiro.
Outro ponto é que essas informações estão disponíveis para todo cidadão que tenha conexão com a internet, que se afirma, também por aí, como a grande biblioteca viva dessa nova fase do conhecimento humano. Você não precisa ser um iniciado em assuntos políticos nem frequentar um clube de pesquisadores para ter acesso aos planos de determinado governo para enfrentar determinada crise. Precisa ter tempo.
Claro que sobram perguntas. A mais importante envolve o trabalho de escolher documentos publicados. Qual o critério é empregado? Como garantir que outras revelações importantes não ficaram de fora?
Também tenho uma questão que envolve a segurança daquilo que é publicado. Informações secretas podem ser muito interessantes e contribuir para o entendimento dos acontecimentos. Mas também podem, como gostam de alertar comandantes militares, servir para “dar conforto ao inimigo.” Vamos imaginar uma hipótese brasileira: dias antes da ocupação do Complexo do Alemão, os planos de ataque as bases do tráfico de drogas chegam ao site do WikiLeaks. Você mandaria publicar?
Como eu disse no início, são mudanças de porte e de longo alcance. Como observa Pedro Doria no Estadão de hoje, “mesmo que o WikiLeaks saia do ar, daqui para a frente este tipo de site sempre existirá.”
É maravilhoso. E como sempre acontece com aquilo que quebra nossos hábitos e coloca novas perguntas, também é assustador.
Texto de Paulo Moreira Leite, jornalista da revista ÉPOCA.
Um comentário:
Muito assustador, meu amigo
Um abraço e boa semana
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