A CRISE REAL DO CAPITALISMO


 
O sociólogo belga François Houtart fez uma análise da crise pela qual passa o processo de reprodução capitalista. Destacou a contradição entre a queda de uma economia produtiva real em oposição a ascensão de um capital fictício, baseado na especulação. Isso é, segundo ele, uma economia de cassino. Como exemplo desse cenário, citou o aumento que sofreu nos últimos anos o preço dos alimentos básicos. Esse aumento não é devido a escassez no mercado, mas sim a jogos especulativos.
Houtart destacou que ante um mundo em que 20% da população detem 83% de toda a riqueza existente, aos demais resta organizar-se e lutar por outro mundo possível. Para refletir sobre isso, destacou ideias como “o bem comum”, a transformação das relações sociais e com a natureza e a desmercantilização dos bens necessários para viver.


A crise europeia é parte da crise mundial que se iniciou nos EUA com a crise financeira do subprime*, mas que afetou também a Europa e o sistema financeiro europeu. A causa fundamental desta crise é a diferença entre a economia real e a economia artificial, ou seja, a economia financeira. A economia real mundial, nos últimos 20 anos, tem decaído e, desde os anos 1990, o capital financeiro cresceu e passou a assumir um papel hegemônico dentro do sistema capitalista. Atualmente a importância relativa do capital financeiro é 11 vezes maior do que o PIB mundial. É uma diferença enorme e, em algum momento, essa “bola” financeira teria de estourar, pois era totalmente artificial. Como disse Susan George, uma norte-americana que vive Paris, essa é uma economia cassino, onde a especulação tem tido um papel enorme. Em grande parte isso acontece por causa da existência dos paraísos fiscais, para onde o dinheiro das multinacionais e dos fundos de pensão é enviado. Esses paraísos fiscais não contribuem para a riqueza mundial, pois simplesmente acumulam, acumulam e acumulam.
A crise é evidentemente mundial, mas suas as características são particulares em cada país. Os países do sul da Europa são mais afetados, como Grécia, Portugal, Espanha, e Itália. Em parte isso acontece porque são economias mais jovens, com menos peso industrial, e, no caso da Espanha, se trata de uma economia muito especulativa. Para se ter ideia, a cada semana na Espanha cerca de 50 mil pessoas são retiradas de suas casas porque não podem pagar o aluguel. Isso é a irracionalidade total do sistema capitalista.
Na Grécia há particularidades, porque o governo foi extremamente corrupto, divulgando dados estatísticos falsos durante anos. A Alemanha, que é a economia mais forte da Europa, é relativamente sólida, mas a qual custo? Quase a metade da classe operária da Alemanha não tem mais contratos de trabalho definidos em longo prazo; são contratos em curto prazo. Isso acontece porque é permitido diminuir o salário e, assim, o custo do milagre alemão é pago, em grande parte, pela classe operária. A economia alemã se fortalece por conta da exportação. E isso tem graves consequências na Europa, porque, para salvar o sistema financeiro e os bancos, os Estados europeus têm gastado bilhões de euros, e por isso se endividaram.
A ordem do Banco Central Europeu é de que nenhum Estado pode ter uma dívida maior do que 3% do PIB e, por isso, devem reduzir os gastos. A questão é que se trata de Estados que haviam conquistado o bem-estar social. Para reduzir a dívida, então, os Estados terão de reduzir os serviços públicos de saúde, educação, pensões, salário mínimo. O salário mínimo na Grécia é algo em torno de 400 euros. Assim, é o povo quem tem de pagar a dívida do Estado, que se deve, em grande parte, à salvação dos bancos e do sistema financeiro.
Essa austeridade só fará aumentar a crise, porque as políticas de austeridade ditas para favorecer o crescimento diminuem o poder de compra das pessoas. Como é possível pensar em crescimento se o poder de compra diminui? É algo totalmente contraditório. Joseph Stiglitz tem dito que estas são políticas criminais, porque não são anticíclicas. A Alemanha tem um regime direitista e vive a serviço do capital. Evidentemente, os interesses do capital são de continuar a acumulação e mantê-la, sem se preocupar com o bem-estar da população.
Existe um conflito entre duas lógicas: a lógica dos interesses do capital e a lógica dos interesses do bem-estar social. Durante algum tempo houve a possibilidade, com o regime social-democrata, de combinar os dois interesses. Mas agora, com a crise, há uma eleição: ou um ou outro.

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