DESMATAMENTO DA AMAZONIA INFLUENCIA SECA DO SUDESTE


 
 
Numa definição solta, a floresta amazônica é um tapete multicolorido, estruturado e vivo, extremamente rico, um tapete que evoluiu nos últimos 400 milhões de anos. Uma colônia gigantesca de organismos que saíram do oceano e vieram para a terra; dentro das folhas ainda existem condições semelhantes às da primordial vida marinha. Funciona assim como um mar suspenso, que contém uma miríade de células vivas, muito elaborado e adaptado. A floresta tropical é o maior parque tecnológico que a Terra já conheceu, porque cada organismo seu, entre trilhões, é uma maravilha de miniaturização e automação. Em temperatura ambiente, usando mecanismos bioquímicos de complexidade quase inacessível, a vida processa átomos e moléculas, determinando e regulando fluxos de substâncias e de energia. O conforto climático que apreciamos na Terra, desconhecido em outros corpos siderais, pode ser atribuído, em grande medida –além de muitas outras competências–, à colônia de organismos que tem a capacidade de fazer fotossíntese. O gás carbônico (CO2) funciona como alimento para a planta, matéria- prima transformada pelo maquinário bioquímico com o uso de luz e água em madeira, folhas, frutos, raízes. De forma encadeada, quando as plantas consomem CO2, a concentração desse gás na atmosfera diminui. Com isso, num primeiro momento o planeta se esfria, o que faz as plantas crescerem menos, consumindo menos CO2; no momento seguinte, isso leva ao aquecimento do planeta, e assim sucessivamente, num ciclo oscilante de regulação. Desta forma as plantas funcionam como um termostato que responde às flutuações de temperatura através do ajuste da concentração do principal gás-estufa na atmosfera depois do vapor d’água. Mas esta regulação da temperatura via consumo mediado do CO2 é apenas um entre muitos mecanismos da vida que resultam na regulação favorável do ambiente.
Como se verá neste trabalho, as florestas tropicais são muito mais que uma aglomeração de árvores, repositório passivo de biodiversidade ou simples estoque de carbono. Sua tecnologia viva e dinâmica de interação com o ambiente lhe confere poder sobre os elementos, uma capacidade inata e resiliente de condicionamento climático. Assim, as florestas favorecem o clima que lhes favoreça, e com isso geram estabilidade e conforto cujo abrigo favorece o florescimento de sociedades humanas. 
A América do Sul foi um continente privilegiado pela extensiva presença de florestas megabiodiversas. Não por acaso, esse continente teve e ainda tem um dos climas mais favoráveis em comparação com qualquer outro. Contudo, ao longo de 500 anos a maior parte da vegetação nativa fora da bacia Amazônica foi aniquilada, como a mata atlântica, que perdeu mais de 90% da sua cobertura
As florestas favorecem o clima que lhes favoreça, e com isso geram estabilidade e conforto sob cujo abrigo florescem sociedades humanas
 A América do Sul foi um continente privilegiado pela extensiva presença de florestas megabiodiversas. Não por acaso, esse continente teve e ainda tem um dos climas mais favoráveis em comparação com qualquer outro. Contudo, ao longo de 500 anos a maior parte da vegetação nativa fora da bacia Amazônica foi aniquilada, como a mata atlântica, que perdeu mais de 90% da sua cobertura original. O efeito desse desmatamento histórico no clima foi menos notado do que seria de se esperar, e a razão foi a “costa quente” (e úmida) da floresta Amazônica, que manteve o continente razoavelmente protegido de extremos com um clima ameno. Mas, nos últimos 40 anos, a última grande floresta, a cabeceira das águas atmosféricas da maior parte do continente, esteve sob o ataque implacável do desmatamento. Coincidentemente, aumentam as perdas com desastres naturais ligados a anomalias climáticas, tanto por excessos (de chuva, calor e ventos), quanto por falta (secas). As regiões andinas, e mesmo da costa do Pacífico, que dependem do derretimento das geleiras para seu abastecimento de água, estão sob ameaça, já que quase toda a precipitação nas altas montanhas, que suprem as geleiras ano a ano, tem sua matéria-prima no vapor procedente da floresta amazônica. A leste dos Andes a escala da dependência do ciclo hidrológico amazônico é incomensuravelmente maior. As regiões de savana na parte meridional, onde há hoje um dos maiores cinturões de produção de grãos e outros bens agrícolas, também recebe da floresta amazônica vapor formador de chuvas. Não fosse também a língua de vapor que no verão hemisférico pulsa da Amazônia para longe, levando chuvas essenciais, seriam desertos as regiões Sudeste e Sul do Brasil (onde hoje se encontra sua maior infra estrutura produtiva) e outras áreas como o Pantanal e o Chaco, as regiões agrícolas na Bolívia, Paraguai, Uruguai e Argentina. 
Texto extraído do Relatório de Avaliação para a Articulação Regional da Amazônia (ARA)
Autor Antônio Donato Nobre PHD
Pesquisador Sênior do INPA
Infográfico do G1

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