Nessa leitura, a bióloga mineira, atualmente professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), confirmou as razões por que a Mata Atlântica é considerada um dos ecossistemas mais ricos do mundo em diversidade de espécies. No trecho que vai do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul há 846 espécies de árvores, do franzino cambucá-peixoto (Plinia rivularis), que não passa de quatro metros de altura e produz frutos avermelhados semelhantes à jabuticaba, ao portentoso jequitibá-branco (Cariniana estrellensis), o gigante da floresta em tupi-guarani, que pode atingir 60 metros de altura.
A surpresa maior, porém, veio quando Alessandra analisou como essas espécies se distribuem nessa faixa que se estende por quase 2.900 quilômetros no sentido Norte-Sul e cerca de 100 quilômetros continente adentro. Apesar da variedade, a maior parte das espécies (59%) são árvores raras, encontradas em áreas restritas ou num ambiente específico da floresta. Uma proporção considerável, 11% das espécies, ou quase uma em cada 10, são raríssimas: têm pouquíssimos exemplares, concentrados em algum ponto do litoral, e por isso correm maior risco de desaparecer.
“Essas informações estimulam esforços de investigação semelhantes, já que no Nordeste, por exemplo, é grande a carência de dados sobre a diversidade de árvores da Mata Atlântica”, afirma Alessandra. “O trabalho aplicou um sistema de avaliação reconhecido internacionalmente”, explica o botânico Fernando Roberto Martins, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que orientou Alessandra no doutorado e é coautor do artigo publicado este ano na Biodiversity and Conservation. “Quantificamos e qualificamos o grau de raridade das árvores da Mata Atlântica. Temos agora uma fotografia mais fiel de como essas espécies se distribuem”, completa.
Raras e raríssimas - No trabalho Alessandra e Martins usaram uma escala de classificação que determina o grau de raridade de uma espécie a partir de três critérios: afinidade por um ambiente específico, abundância local e distribuição pela área estudada.
Combinados, esses três fatores definem uma escala de oito níveis: um de espécies comuns e outros sete de graus crescentes de raridade. No primeiro nível de raridade estão as árvores encontradas em diferentes altitudes e com níveis variados de umidade, grande distribuição geográfica e pequena abundância local em certos trechos (4,5% das 846 espécies). Já a categoria 7, a das raríssimas, incluiu 11% das árvores: todas com baixíssima capacidade de adaptar-se a outros ambientes, encontradas em populações pequenas e distribuídas por uma área bastante restrita.
Os pesquisadores encontraram espécies raras ao longo de toda a área estudada. Segundo Martins, fatores históricos, geográficos e biológicos explicam esse padrão. No clima seco que caracteriza os períodos de glaciação – o mais recente entre 18 mil e 14 mil anos atrás – só sobreviveram grandes árvores em áreas mais úmidas, como os vales e as encostas próximas ao mar, como sugere a teoria dos refúgios, proposta nos anos 1960 pelo alemão Jürgen Haffer, adaptada à realidade brasileira pelo geógrafo Aziz Ab’Saber e contestada recentemente.
“Foram vários eventos sucessivos de restrição e espalhamento que moldaram o padrão de distribuição das espécies pela Mata Atlântica do litoral Sul e Sudeste”, explica Martins. Atualmente, diz, esse padrão sofre influência direta da ação humana e da destruição da floresta.
Não por acaso, muitas das árvores raríssimas estão na lista de espécies ameaçadas de extinção elaborada pela Fundação Biodiversitas em 2005. O que preocupa os pesquisadores é que o desaparecimento das mais raras pode gerar um efeito dominó, afetando a disponibilidade de alimento para vários grupos de animais. “A extinção de uma única espécie rompe o nó de uma rede de interações, levando ao desaparecimento de várias outras”, explica Martins. Outras possíveis consequências são o empobrecimento do solo e o aumento dos níveis de gás carbônico no ar.
Alessandra considera problemático o avanço das fronteiras agrícolas e o crescimento das cidades em áreas de Mata Atlântica e ressalta: “É preciso sensibilizar autoridades públicas e proprietários de terra para a importância dessas espécies raras”. Um modo de proteção possível, sugere, é criar unidades de conservação menores em áreas com mais espécies bem raras.
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