Crises não são novidade. Depois que ocorrem, após algum
tempo para análise, surgem várias explicações sobre suas causas e sobre o que
poderia ter sido feito para evitá-las. Em muitos casos, os estudos de crises
passadas criam conhecimento que poderia prevenir futuras. Porém, em certos
casos, evitar crises nos demandaria esforços maiores do que gostaríamos
empreender e portanto nos entregamos à tendência coletiva de achar que desta
vez será diferente. Mas será? Antes de falar da estiagem que aflige São Paulo,
vejamos alguns episódios passados sobre crises hídricas, que nos transmitem
valiosas lições.
No século XVI o poderoso Akbar, rei dos Moghols, ergue uma
monumental cidadela em Sikri, a 30 quilômetros de Agra, na Índia, e a denominou
a “Cidade da Vitória”. Isto porque pouco antes um profeta sufi previra a Akbar
o nascimento de três filhos nesse lugar, o que realmente aconteceu nos anos
seguintes. Algo, no entanto, o profeta não previu, ou não revelou. Quinze anos
após transferir para lá o seu séquito de cinco mil mulheres – das quais
trezentas esposas -, mil soldados e seus cavalos, Akbar teve que abandonar
aqueles “jardins do paraíso”, deixando a fortaleza aos poucos herdeiros do
profeta, por um único motivo: escassez de água.
Na mesma época, as tribos da Ilha de Páscoa estavam em seu
auge, com uma população de 30 mil habitantes e uma dedicação incondicional a
talhar e erguer centenas de gigantescas estátuas de pedra, os moais. Presume-se
que essas rochas eram transportadas pela ilha com o uso de troncos de árvores. A
competição em torno dos moais acabou por extinguir as florestas gerando, dentre
outros problemas, uma severa escassez de água doce. Esse fato, aliado à erosão
causada por práticas inapropriadas de agricultura, levou a população à guerra
civil e ao canibalismo. Em menos de duzentos anos a população foi reduzida a
apenas cem sobreviventes, vivendo em estado de miséria.
Um ano antes do nascimento de Akbar, era fundada no Brasil a
Vila de São Paulo da Piratininga. Em região aquinhoada com vastos recursos hídricos,
a cidade de São Paulo sobreviveu a Sikri por quinhentos anos. Em 1872 houve o
primeiro censo demográfico no Brasil, revelando que dos seus 10 milhões de
habitantes, 31 mil viviam na cidade de São Paulo, em franca expansão até ultrapassar
a marca de 11 milhões de habitantes em 2011. Em 2014, a cidade enfrenta a pior
crise hídrica de sua história.
De três destinos bem diferentes, há um ponto comum entre Sikri, Ilha de Páscoa, e São Paulo: em certo momento de suas histórias, enfrentaram crises ambientais sem precedentes, das quais Sikri e a Ilha de Páscoa saíram perdedoras. Que lições podemos tirar dessa crise? Como manter São Paulo em sua trajetória de êxito e desenvolvimento? A resposta começa por qualificativos que podem parecer óbvios, mas não são nada triviais: que o sucesso seja construído em bases duráveis, ou seja, que o desenvolvimento seja sustentável.
Hoje há amplo consenso sobre as condições necessárias e
suficientes para que a sociedade se sustente indefinidamente. A organização de
origem sueca The Natural Step** propôs essas condições em 1989 e diversos
atores públicos e privados vêm buscando adequar-se a elas em todo o mundo, com
diversas intensidades de resultados positivos, dependendo de seu estágio de
evolução no tema. Essas condições estabelecem que uma sociedade sustentável
não polui sistematicamente, não destrói sistematicamente o seu ambiente e não
impede as pessoas de satisfazer suas necessidades fundamentais. -
Parece simples e óbvio. E de fato é. Se examinarmos situações
de colapso ambiental tais como Sikri e a Ilha de Páscoa, veremos que ocorreram
como resultado da violação sistemática de uma ou de várias dessas condições. E
o que tem isso a ver com São Paulo? Consideremos alguns poucos exemplos de
violações que a nossa sociedade ocasiona, e que tem provável relação com a dramática
crise que atravessamos. Nossos corpos hídricos são sistematicamente poluídos,
diminuindo a disponibilidade de água limpa. As florestas remanescentes no
Brasil vem sendo degradadas de forma crescente, gerando variações da umidade
trazida ao Sudeste e Sul do Brasil pelas nuvens que vêm da Amazônia. A nível
local, solos menos permeáveis não absorvem água, com consequente aumento da
demanda por irrigação e menos geração de chuva. O acúmulo de gases de efeito
estufa de origem antrópica vem ocasionando alterações nos ventos de alta
altitude que distribuem a umidade do ar, reduzindo a chuva em alguns lugares e
aumentando em outros. A lista poderia seguir, pois os exemplos são abundantes. A
recomendação? Primeiro, precisamos aprender a viver sem aumentar as taxas de
poluição e degradação ambientais, e sem impedir que nossos semelhantes tenham o
fundamental para uma vida digna. Precisamos também restaurar o que vem sendo
destruído.
É preciso reconhecer o imenso custo que incorreremos ao
tolerar padrões insustentáveis para perceber que será mais razoável agir desde
já. Precisamos preservar e restaurar as matas ciliares, precisamos de solos
porosos e biodiversos, precisamos reduzir ao mínimo o uso de agrotóxicos,
precisamos parar de tratar corpos d’água como depósito de lixo. É importante
levarmos em conta que cada um de nós no fundo sabe no que poderia contribuir,
como consumidor e como cidadão. Precisamos, enfim, envidar certos esforços que
gostaríamos de não precisar encarar. Temos que reconhecer, entretanto, que se
continuarmos a violar as condições que tornariam saudável o nosso ambiente, não
há porque achar que a natureza será mais tolerante. Precisamos com urgência
tratar das causas do problema para evitar uma tragédia social, ambiental e econômica.
* Os autores são consultores em sustentabilidade estratégica na hapiterra.com -
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